segunda-feira, 5 de setembro de 2011

CAPITÃO

Prólogo
  

Àqueles que me conheceram melhor que eu mesmo, e aos que sobre mim souberem apenas por este relato, deixarei um pouco do que minhas recordações de período recente me permitem relatar.
Muitos imaginarão ler aqui apenas a assunção de uma mea culpa à espreita da remissão de falhas que são, julgo eu, impossíveis de serem perdoadas. Asseguro-lhes que esta não foi a intenção que me levou a colocar no papel, de maneira desnuda, a desonra de meus feitos. Arrependido, assumo os erros que levo desta vida em que, apesar de claramente ter-se desenrolada em fases tão distintas, uma etapa não pôde, por nenhuma ação, compensar o mal causado pela outra. Nem seria correto se o fizesse.
Mesmo que eu não consiga, ou tampouco tente, convencer alguém que não seja a mim mesmo sobre minha real personalidade, ficará ao sabor de quem me ler, um julgamento que de nada me valerá, pois o perdão que busco creio não tê-lo alcançado onde, unicamente, o tenho buscado: em mim mesmo. Caso esta narrativa der-lhes a entender que o procurei em outrem, desfaçam esta impressão e partam do suposto de que tudo que fiz em meus derradeiros tempos foi pelo horror de meus atos e, sobretudo, por muito amor. Se acaso conseguirem me compreender a partir de meus motivos, encontrarão meu verdadeiro eu e, quem sabe até, apesar de tudo, de mim não guardarão mágoa nem rancor.


Capitão





O feixe de luz que entrava pela janela entreaberta agredia e ofuscava-me a visão que, desfocada, custava a dar formas ao estranho local. A assimilação das imagens ao redor foi demorada e, quando os olhos recobraram com deficiência sua função, apresentaram-me uma situação nada agradável que, sem sucesso, ainda deitado, eu tentava compreender.
Eu não sabia onde estava, nem qual era o dia da semana, tampouco do mês, e estas eram apenas as primeiras questões de um universo de dúvidas que se multiplicavam e ampliavam minha dor de cabeça a tal ponto de eu nem me atentar à questão principal: quem eu era?
Não me lembrava como eu havia chegado ali, tampouco se eu chegara sozinho. As dores no corpo limitavam meus movimentos à velocidade similar ao de meu lento e débil raciocínio. Contrariei a lentidão que se impunha e levantei-me tão rapidamente quanto tornei a me sentar. A cama acudiu-me da queda e, nela, permaneci sentado até que eu estivesse livre de uma nova hipotensão postural, tontura se assim preferir chamar quem supor que estes termos não cabem ao homem que logo lhes vou descrever.
Ainda zonzo, procurei por indícios do que havia acontecido naquele quarto que, por seu aspecto, sugeria um prostíbulo; alguns lugares são tão peculiares que nos permitem reconhecê-los mais facilmente do que a nós mesmos. Os bolsos da calça jogada em um dos cantos do cômodo estavam vazios; aos pés da cama, encontrei uma jaqueta que, pelo modelo e tamanho, devia pertencer a alguém que passara a noite comigo; dela exalava um adocicado perfume misturado a um leve odor de cigarro, mesmo assim eu a vesti, sentindo uma ilusória sensação de segurança. Já a calça, por me servir tão bem, julguei ser minha. Suspendi-a ao máximo para que pudesse unir-se à curta jaqueta e cobrir-me a barriga. Creio ser desnecessário narrar o quão ridículo ficou meu figurino.
Em uma das paredes do quarto onde, nas partes inferiores o mofo se sobrepunha à tinta vermelho-sangue que a cobria, um pedaço de espelho chamou-me a atenção. Aproximei-me do embaçado caco e me deparei com um rosto que eu podia jurar nunca ter visto. Limpei o pedaço que não era grande, mas ainda assim era maior do que os cacos do mesmo que estavam espalhados pelo chão. Permaneci olhando por vários minutos para os olhos arregalados do estranho, procurando-me em vão. “Quem é esse homem suado e sujo?” “Quem sou eu?”, perguntava-me, enquanto corria os dedos pela barba vasta e mal delineada que me deixava com um aspecto envelhecido. Imaginava-me oculto pela área coberta de meu rosto, supondo que um bom barbear poderia me auxiliar a encontrar quem eu procurava.
As lembranças da noite anterior vinham-me em forma de alguns flashes de memória que não me davam certeza de nada; recordava-me vagamente de uma briga, sem